Na narrativa da morte de Jesus segundo João, lemos: “Perto da
cruz de Jesus, permaneciam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de
Clopas, e Maria Madalena” (Jo 19,25 – tradução da Bíblia de Jerusalém). Essas
figuras femininas situadas aos pés da cruz foram retratadas de diversas formas
em pinturas e literaturas ao longo dos séculos, sem que deixassem de suscitar a
curiosidade dos leitores do Quarto Evangelho. Juan Mateos e Juan Barreto
consideram, apesar da ambiguidade do versículo citado, que sejam apenas duas
mulheres junto à cruz. Segundo sua intepretação, o trecho seria melhor
entendido da seguinte forma: Perto da cruz de Jesus, permaneciam de pé sua mãe
e a irmã de sua mãe, ou seja: Maria (a de Clopas) e Maria Madalena.
Maria, a filha de Clopas, seria a Mãe de Jesus, que aparecera
no livro de João uma outra vez, no episódio das Bodas em Caná da Galileia.
Nesse Evangelho, Maria é uma figura literária que representa o Israel antigo
que, diante dos sinais de Jesus, reconhece nele uma possibilidade para a
restauração esperada. Esta mulher é a figura daqueles que fielmente esperavam a
intervenção de Deus em sua história, e que reconhecem que Jesus é um possível
Messias.
Maria Madalena aparece aqui pela primeira vez e tornará a
aparecer em uma das principais cenas joaninas: a da Ressurreição. Ela é figura
da nova comunidade, aquela que, testemunhando os sinais do Senhor, desejam
aderir ao seu projeto e firmar com ele uma aliança definitiva. Ela é, portanto,
imagem de todos nós, que conhecemos o Senhor e com ele queremos permanecer.
Se avançamos na leitura do c. 19, descobrimos outro
personagem importante: o discípulo amado. A exemplo de Madalena, ele é também o
símbolo do povo da Nova Aliança, porque não é só alguém que ama Jesus, mas que é
também por ele amado.
Jesus, desde o alto da cruz, integra à nova comunidade o
grupo daqueles que pertenciam à Antiga Aliança, quando entrega a Mãe ao
discípulo e este à mulher. O Evangelista esclarece: “E a partir dessa hora, o
discípulo a recebeu em sua casa” (Jo 19,27). A comunidade antiga, da qual
Maria, a mãe, é a figura, não mais voltará a aparecer no Evangelho de João
porque agora ela foi incorporada à nova comunidade, que também está ali. Há, portanto,
na cruz, duas Marias e duas comunidades que tornar-se-ão apenas uma: aquela que
o Ressuscitado encontrará chorando no jardim do c. 20.
Dessa forma, João acena, já no c. 19, que a cena da morte não
é o fim. A comunidade que caminhara com o Mestre e testemunhara, confiante,
seus sinais não está desamparada. Como estrangeira, é recebida na casa de uma
nova comunidade, para celebrar um novo banquete, uma Páscoa que acontece no
terceiro dia após a sua. A morte de Jesus no Evangelho de João – e também na
vida real – não indica fim ou encerramento de antigas coisas, mas acena para o novo
e instaura a expectativa do que está por vir.