terça-feira, 20 de junho de 2017

Evangelho de João - uma breve introdução

Imagem relacionadaDos Quatro Evangelhos canônicos, João é o que mais se diferencia pelo seu estilo literário, pelo seu viés teológico e por seus objetivos. Por isso, costumamos denominar Marcos, Mateus e Lucas de Sinópticos, porque narram os eventos ao redor de Jesus sob um mesmo olhar. João distancia-se destes três em vários aspectos. 
Uma primeira razão para justificar este distanciamento é sua época de redação. Enquanto Marcos foi escrito ao redor do ano 60 d.C. e Mateus e Lucas ao redor do ano 75 d.C., João foi escrito apenas no final do séc. I, talvez por volta do ano 90 d.C. Embora as diferenças não aparentem ser tão significativas, devemos considerar que Marcos, o primeiro evangelista, inaugura o gênero, ou seja, é o primeiro a escrever um Evangelho a respeito de Jesus Cristo e não tem precedentes em quem se espelhar. Assim, ele é bem mais breve e apologético. Aproxima-se mais da historicidade como a compreendemos hoje, porque era uma necessidade apresentar Jesus e levar as pessoas à fé. Sua distância temporal desde os eventos da Ressurreição de Jesus era de apenas 30 anos. Quando João escreveu, ao menos 60 anos após a Ressurreição, já não era necessário apresentar Jesus, porque ele escreve a uma comunidade que já professava a fé cristã. Assim, ele podia escrever uma teologia mais desenvolvida e mais refletida, narrando os eventos a respeito de Jesus de uma maneira diferente da que os Sinópticos haviam utilizado. Além disso, ele dispunha dos Três Evangelhos - além de outros apócrifos - como fonte. 

Há diversas hipóteses quanto à autoria do Quarto Evangelho. A que preferimos é a de que João seja obra de uma comunidade, não apenas de uma pessoa. Esta comunidade, reunida ao redor da tradição do Discípulo Amado que muitos identificam como sendo o jovem João, utilizou-se de seu nome e de sua figura para dar legitimidade ao seu texto. Toda a comunidade, guardiã das tradições e reflexões a respeito de Jesus, que se originaram desse Discípulo Amado, foi quem escreveu o Evangelho. Ele destinava-se, originariamente, à própria comunidade. Por isso parece ser um texto codificado, profundamente enraizado nas tradições hebraicas, como datas importantes de festas judaicas ou convenções e  estilos literários que se aproximam da Bíblia Hebraica. O Evangelho de João não é antijudaico como se costuma afirmar. Pelo contrário: retoma os principais temas da Bíblia Hebraica e funda-se sobre as principais tradições judaicas. Podemos dizer que o Evangelho de João, em sua origem, não teve pretensão nenhuma de transmitir uma mensagem universal para as futuras gerações. Não queria nem mesmo conduzir à fé os que não criam em Jesus. Seu objetivo era apenas corroborar a fé daqueles que já professavam uma fé propriamente cristã.

Como o Quarto Evangelho surge já no fim do séc. I, foi uma necessidade lidar com nascentes más compreensões do Cristianismo, que posteriormente seriam denominadas heresias. As duas principais correntes de pensamento contra as quais o Evangelho de João levanta-se são o gnosticismo e o docetismo. O gnosticismo acreditava que a matéria é algo ruim, oposta ao espírito e obstáculo à salvação. Por isso, em diversos trechos, o Evangelho de João ressalta a humanidade de Jesus, como quando narra sua angústia ao presenciar a morte do amigo Lázaro ou quando coloca-o sentado, cansado e com sede à beira de um poço. Para João, não há a dualidade corpo/espírito como instâncias antagônicas. O docetismo entendia que a humanidade de Jesus é apenas aparente, e ele na verdade era somente Deus. Assim, há mais um motivo para que João reafirme a humanidade de Jesus e principalmente seu sofrimento ao redor dos eventos de sua Paixão, a fim de reafirmar que Jesus era tão homem quanto Deus, e sua humanidade era real e acarretava todas as consequências físicas e sentimentais próprias do humano.

Continue acompanhando as próximas postagens!