O que salta aos olhos numa leitura atenta do segundo relato
da criação (o mais antigo) é que, no princípio da narrativa, nada ainda existia
por falta da chuva. Adiante serão indicados os nomes de alguns rios, como uma
moldura que envolve a criação e garante a manutenção da vida criada. Antes,
porém, de lançar a chuva, YHWH cria o homem, moldando sua forma do barro, como
que para auxiliá-lo no processo vindouro de criação do restante do mundo. Neste
relato, Deus tem uma imagem mais antropomórfica: ele cultiva o solo e molda,
como um oleiro, tudo o que existe. A criação do homem a partir do barro
identifica-o à terra, cultivável, sobre a qual pode nascer vida. A terra e o
seu cultivo são dádivas de Deus oferecidas ao homem. Após criar o homem, YHWH
planta um jardim para colocá-lo. Harold Bloom apresenta a teoria de que o autor
dessa narrativa seja uma mulher, a J, responsável pela tradição javista do
Pentateuco. J utiliza grandes artifícios de ironia, que, devido à distância
cultural e temporal que dela nos separa, às vezes não conseguimos compreender.
Para mim, neste trecho que ora analisamos, está bem clara a utilização deste
artifício: YHWH parece uma criança, que com suas mãos inexperientes, molda um
bonequinho usando um pouco de argila, e depois constrói um pequeno jardim onde
pode colocá-lo e encenar a sua história. Vendo-o muito sozinho e
impossibilitado de protagonizar uma história, o menino YHWH cria também uns
animais e quer moldar uma moça. A argila acabou.... ele tira um pouco de terra
da barriga do homenzinho criado, conserta o buraco e molda a mulher. Em breve,
a história começará, quando a criatividade do menino der vida àqueles recém-criados
personagens, e trouxer ao cenário uma astuta serpente falante.